24/05/2021 – CNB/MG – “Garantir a eficácia do direito previsto na propriedade do imóvel é, sem dúvida, o mais importante dos direitos reais”

Desembargador do TJMG, Marcelo Guimarães Rodrigues, fala ao CNB/MG sobre a importância da Escritura de Compra e Venda para garantias jurídicas

Além de ser obrigatória para a transferência de bens imóveis de valor superior a 30 salários mínimos, a Escritura de Compra e Venda é recomendada para todos os outros formatos de transações de terrenos e propriedades. Marcelo Guimarães Rodrigues, desembargador da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e autor de obras sobre o Direito Registral e Notarial, concedeu entrevista exclusiva ao Colégio Notarial do Brasil – Seção Minas Gerais (CNB/MG) sobre o assunto.

Dentre os livros de autoria do magistrado, no âmbito do setor extrajudicial, estão: “Tratado de Registro Público e de Direito Notarial”, “Lei Geral de Proteção de Dados e Serviços Notariais e de Registros”, e “Código de Normas do Serviço de Tabelionato e Registro Público de Minas Gerais comentado”.

Confira a íntegra da entrevista:

CNB/MG – Sabemos que a escritura de compra e venda do imóvel vai além de um contrato, que serve para atestar o acordo entre as partes, assim como para validar a efetivação da transação. Qual o primeiro passo do comprador e do vendedor após a assinatura do contrato?

Marcelo Guimarães Rodrigues – Levar o título aquisitivo, judicial, seja extrajudicial, ao registro de imóveis da respectiva circunscrição territorial para o registro, em sentido estrito, deve ocorrer mediante protocolo no Livro 1. Desde a Lei civil de 1916 (art. 530), mantido no Código de 2002 (art. 1.245, §1.), o Direito brasileiro afastou-se do modelo francês, pelo qual o contrato era meio de transferir a propriedade – sendo a transcrição somente meio de publicidade declarativa –, e adotou parcialmente o sistema germânico, no qual a inscrição, de caráter obrigatório, tem o atributo e a eficácia de publicidade constitutiva. No modelo misto, há uma combinação entre o título e o modo de adquirir. A publicidade possui o duplo efeito de constituir o direito real e anunciá-lo a terceiros. Incide a presunção iuris tantum do registro que, não obstante, não possui eficácia saneadora.

CNB/MG – Qual a importância de se efetivar o registro de um imóvel em cartório?

Marcelo Guimarães Rodrigues – Garantir a eficácia do direito previsto no título aquisitivo, em caso, a propriedade do imóvel é, sem dúvida, o mais importante dos direitos reais. A partir do registro, este direito será oponível a todos, incluindo terceiros de boa-fé, efeito erga omnes. A providência é fundamental também para obter financiamentos para a produção rural, para a abertura ou fomento de negócios de todas as dimensões, seja na aquisição de outros bens, dado que o imóvel é um bem valioso e seguro (asset) para obtenção de crédito. O registro do bem contribui, ainda, para a formulação de políticas públicas das mais relevantes, a exemplo dos planejamentos urbano e sanitário, regularização fundiária, proteção ao meio ambiente, redução dos riscos nas transações, etc. Todavia, o registro garante os demais direitos que possam incidir sobre a propriedade imobiliária, incluindo os ônus processuais e administrativos.

CNB/MG – Quais garantias o comprador terá ao registrar o contrato da compra e venda do imóvel e/ou o terreno em Cartório?

Marcelo Guimarães Rodrigues – Como dito, o titular do direito real de propriedade pode opor este direito a qualquer outro que eventualmente alegar direito próprio equivalente sobre o mesmo bem. O registro gera presunção relativa em favor daquele em cujo nome o bem se acha inscrito. Esta presunção exige do terceiro o ônus de produzir prova em contrário em juízo de modo a afastá-la. Caso deste ônus não se desincumba aquele que desejar infirmá-la com êxito, prevalecerá a publicidade ativa irradiada pelo registro.

CNB/MG – Durante a palestra “Direito Registral e Direito Notarial”, na Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef), o senhor exemplificou o caso de um casal de idosos que adquiriu um terreno em área rural, mas não registrou o contrato de compra e venda no cartório. E mais tarde, o caso foi parar na Justiça, uma vez que havia uma alienação fiduciária sobre o imóvel. Ainda é grande o número de transações de compra e venda de imóveis que não são registrados em cartório?

Marcelo Guimarães Rodrigues – Infelizmente ainda é relativamente comum, designadamente em algumas regiões do País, a praxe dos contratos de gaveta, em alguns casos teimosamente acolhida por parte da jurisprudência. Esse clandestinismo que deságua em insegurança jurídica acarreta, perante os agentes financeiros, percepção de aumento do risco e, por desdobramento, incremento no custo das transações, onerando a todos (não apenas as partes de eventual processo judicial), nomeadamente aqueles denominados como ‘pessoas simples’. Fomenta, ainda, a grilagem de terras (com todos os males que dela se originam) e uma litigiosidade no âmbito do judiciário que podemos, e devemos, precaver. Vale dizer: todos perdem.

CNB/MG – Quais outros problemas, além do exemplificado, os compradores podem ter no futuro, caso não registrem em cartório o contrato de compra e venda do imóvel ou terreno?

Marcelo Guimarães Rodrigues – Não registrar o título aquisitivo do imóvel é faltar com a boa-fé objetiva. A lei prevê sanções para quem se omite no cumprimento deste dever jurídico-social. O direito não inscrito não gera oponibilidade, um dos mais importantes efeitos do registro. Ainda que detenha a posse do bem, não poderá alegar boa-fé perante terceiros que ostentem títulos contraditórios e assumam prioridade no protocolo do registro. E, no plano da posse, poderá se ver o adquirente negligente, em tese, em cenário de disputá-la em juízo com outro, em condições desfavoráveis.

CNB/MG – Quais os principais motivos para o comprador optar em não registrar um contrato em cartório?

Marcelo Guimarães Rodrigues – Diria que o adquirente negligente é movido pela cultura do ‘jeitinho’, permeada pelo improviso, pela precariedade, próprias da informalidade. Em alguns casos específicos, a omissão pode resultar da prática de crimes de ocultação de bens, sonegação fiscal e lavagem de capitais.

CNB/MG – Nos casos em que o imóvel for comprado através de um financiamento, seja este adquirido por meio de um consórcio ou com a utilização do FGTS, não é necessária a assinatura no cartório de Notas? O comprador tem a mesma segurança nesse processo?

Marcelo Guimarães Rodrigues – Na aquisição do primeiro imóvel residencial, com recursos de sistema financeiro habitacional, a lei permite, em caráter excepcional, o uso do instrumento particular de compra e venda confeccionado pelo próprio agente financeiro. A experiência em 32 anos de magistratura mostra que, com indesejável frequência, esses títulos são preenchidos com falhas que atrasam (quando não inviabilizam mesmo) o registro em cartório. A instituição financeira não conclui o negócio jurídico, o incorporador ou vendedor não recebe o dinheiro e o comprador não recebe as chaves do imóvel. Prejuízo geral. Será invariavelmente melhor, mais célere e mais seguro procurar um tabelião de Notas de confiança, como profissional do Direito especializado, submetido à fiscalização do Poder Judiciário, para a lavratura da escritura pública. Lado outro, convém que as tabelas de emolumentos dos estados em geral reduzam um pouco os valores respectivos para a prática de tais atos que ainda tramitam por instrumentos particulares, em proveito de todos.

Fonte: Assessoria de Comunicação – CNB/MG

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