Preocupação com os impactos da reforma tributária, em vias de ser votada no Senado Federal, tem feito com que muitos brasileiros comecem a planejar antecipadamente o que fazer com seus bens, optando pela doação em vida aos herdeiros ao invés de aguardar a realização do inventário.
A razão é a previsão de aumento progressivo da alíquota de imposto pago ao governo de acordo com o patrimônio envolvido, que fez crescer em 22% o número de doações desde que o texto foi aprovado na Câmara dos Deputados, em julho deste ano.Dados do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF), entidade que reúne os 8.344 Cartórios de Notas do Brasil presentes em todos os municípios brasileiros, apontam que o número de doações passou de uma média mensal de 11,6 mil, em 2022, para mais de 14,2 mil atos realizados somente em agosto deste ano, logo após aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que tramita no Congresso Nacional.
Em números absolutos, também se verifica um aumento de doações nos meses de julho (13.188) e agosto (14.295) deste ano em relação aos meses anteriores à aprovação da PEC, quando a média de atos de doação foi de 11.114 escrituras solicitadas.
Caso aprovada no Senado na forma atual, a cobrança do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos) feita pelos estados e aplicada a toda pessoa física ou jurídica que recebe bens ou direitos como doação, ou como herança em virtude da morte do antigo proprietário – poderá ser progressiva, cabendo aos estados aprovarem leis nesse sentido.
O ITCMD é regulado pelos estados, mas quem define a alíquota máxima é o Senado Federal. Atualmente, o teto está em 8%, mas pode dobrar, chegando a 16% com a aprovação da PEC da reforma tributária. A Proposta de Emenda Constitucional ainda permite a cobrança sobre heranças e doações de residentes no exterior e inclui isenção para transmissão de doações para instituições sem fins lucrativos.
No Rio Grande do Sul, já existe progressividade de cobrança do ITCMD. Nos casos de herança, por exemplo, a alíquota aplicável é a da data do óbito. No Estado são estabelecidos índices progressivos de até 6% sobre a transmissão de bens por herança (móveis, títulos, créditos, ações e quotas de empresas) e duas faixas para os casos de doação, de 3% e 4%. Os dados levantados pelos Cartórios de Notas apontam que a média mensal de doações foi de 1.121 em 2022. Em 2023, até agosto, foram 8.826 atos realizados.
“A escritura de doação é o ato feito e assinado por meio do qual uma das partes doa determinado bem (móvel ou imóvel) para outra. Mesmo sendo feita em vida, é necessário reservar a margem de metade dos bens aos herdeiros necessários, assim somente a outra parte pode ser designada como o doador desejar”, explica o presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Rio Grande do Sul (CNB/RS), José Flávio Bueno Fischer.
“Sempre que é transferida a propriedade de um imóvel, é necessário o pagamento de um imposto, e se for transmitido a alguém por herança ou doação, incide o ITCMD na transferência do bem para o herdeiro ou donatário”, completa o presidente. O tema da progressividade, já existente em 17 estados brasileiros, já foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que entendeu constitucional a cobrança crescente de acordo com o patrimônio da pessoa.
Segundo o advogado Pedro Verdi, especializado em sucessão patrimonial, sempre é mais vantajoso realizar a doação em vida, pelas vias caminhos extrajudiciais, em razão da praticidade, rapidez da apuração do patrimônio e custos processuais bem inferiores.
Planejamento sucessório em vida proporciona menos impostos
Verdi diz que doações em vida têm crescido desde a pandemia da Covid-19
Embora a proposta da reforma tributária em dobrar a taxação sobre transmissão de bens a herdeiros (para uma alíquota de até 16%) esteja gerando aumento expressivo das doações em vida, o planejamento de sucessões patrimoniais vêm crescendo desde a pandemia de Covid-19, explica o advogado Pedro Verdi, especialista no tema da sucessão. Durante a crise sanitária, alguns estados brasileiros registraram aumento de 50% no número de doações em vida e confecção de testamentos. Há também fatores políticos que incidem sobre a alta recente, reflexo da troca no comando do governo federal.
Mesmo que o aumento seja aprovado, o Brasil continuará com uma tributação bem inferior a países desenvolvidos, que tributam de 30% a 50% as heranças. “Mas não é positiva essa comparação, pois países como Estados Unidos, Suíça e França, onde a tributação das heranças é alta, o retorno de serviços públicos é infinitamente melhor do que no Brasil. O limite proposto na reforma está de acordo com a realidade brasileira”, diz o especialista.
Conforme Verdi, o crescimento das doações em vida aos herdeiros tem sido positivo para desafogar o Judiciário com processos de inventário, além de ser mais rápido e menos oneroso para todas as partes. “Ela vai sempre ser mais vantajosa que o testamento ou inventário”, pontua.
Sob aspecto do tempo processual, Porto Alegre tem uma característica que torna os inventários ainda mais demorados: a cidade tem apenas três varas de sucessão patrimonial, o que gera um abarrotamento de processos. Nas doações em vida, o concessor poderá destinar as benesses conforme sua vontade, respeitando os parâmetros legais, mas inserindo cláusulas de como os herdeiros terão acesso ao patrimônio.
“Por exemplo, uma cláusula de reversão, que funciona caso o filho herdeiro faleça antes dos pais, faz com que o patrimônio não vá para a esposa e retorne aos pais. A questão do usufruto também é um regramento muito útil, pois permite doar a propriedade nua, ou seja, despida dos direitos de posse”, contextualiza o advogado.
Nesse caso, o recebedor vai ter apenas a propriedade registral, mas todos os direitos da propriedade, como ganho financeiros com aluguel, ficam para os proprietários enquanto estiverem vivos. Isso pode ser feito com outros bens além de imóveis, como cotas empresariais.
No entanto, a doação precisa respeitar parâmetros legais, explica José Flávio Bueno, presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Rio Grande do Sul (CNB/RS). “Do total do patrimônio, 50% precisa ser dividido para os herdeiros obrigatórios, que são os descendentes e, na falta deles, os ascendentes. Já os 50% restantes do patrimônio podem ser doados conforme o doador quiser”.
Para realização do ato, doador e donatário devem comparecer perante o tabelião em Cartório de Notas para concordar com as cláusulas de usufruto e condições da doação. A escritura também pode ser solicitada e realizada a distância, por meio da plataforma e-Notariado (e-notariado.org.br). A possibilidade permite que interessados possam realizar o ato de estados diferentes ou até mesmo fora do País.
Dentro desses termos, basta o doador ter as escrituras do patrimônio, seus dados pessoais e os dados pessoais dos donatários. “O trâmite é relativamente simples. Dependendo do volume patrimonial, esse processo pode levar uma semana, pois só depende da avaliação que o governo do Estado irá realizar através de auditoria. É importe ressaltar que o imposto é pago em cima da avaliação dos auditores estaduais”, explica Bueno.
Já para realizar o inventário extrajudicial (quando o dono do patrimônio faleceu, mas acordo de divisão entre os donatárias), herdeiros capazes, maiores de idade, e que estejam de acordo quanto à divisão dos bens também devem consultar um Cartório de Notas, portando documento de identificação com foto e certidão de casamento. Os mesmos documentos do falecido são necessários, junto de certidão de óbito. Assim como a doação, o inventário pode ser realizado de forma online.”
A via extrajudicial traz soluções fiscais muito vantajosas em diversos casos de planejamento sucessório”, explica a presidente do Colégio Notarial do Brasil, Giselle Oliveira de Barros. “A doação em vida é uma forma de se antecipar e minimizar as dores de um inventário oneroso à família onde já há instaurada a progressividade de impostos sobre a herança. Já o inventário extrajudicial torna-se uma saída prática às partilhas em estados nos quais ainda não há progressividade”, conclui a presidente do CNB.
Confirma como é calculado o imposto sobre essas operações
Atualmente, para que a doação em vida seja vantajosa aos solicitantes de estados onde já existe a progressividade, é necessário realizar um cálculo entre as diferentes alíquotas de cada local com o patrimônio declarado da parte.
A depender da faixa da tabela que o imposto recair, o ato em Cartórios de Notas pode render uma economia com porcentagens mais baixas nos valores transferidos. A escritura de doação também pode garantir a reserva de usufruto ditada pelo doador ao donatário.
No Rio Grande do Sul, as alíquotas do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos) são divididas em faixas de 0 a 6% no caso do inventário, quando a transmissão é feita em morte; as doações em vida possuem duas alíquotas de 3% e 4%. Se considerar um patrimônio de R$ 1 milhão, há uma economia fiscal de R$ 40 mil caso a transmissão seja realizada em vida. As alíquotas para inventários, em valores, são as seguintes: Até R$ 49.483,00 não paga imposto; Entre R$ 49.483,00 até R$ 247 mil tem incidência de 3% no ITCMD; Entre R$ 247 mil e R$ 742 mil tem incidência de 4% no ITCMD; Entre R$ 742 mil e R$ 1,2 milhão tem incidência de 5% no ITCMD; A partir de R$ 1,2 milhão tem incidência de 6% no ITCMD.
No caso das doações em vida, a alíquota de 3% incide sobre patrimônios avaliados em até R$ 247 mil e, a partir disso, a alíquota sobe para 4%, explica o advogado Pedro Verdi, especialista no tema da sucessão. “Sem falar que no planejamento em vida é o próprio titular do patrimônio que destina seus bens como quer que eles sejam distribuídos, então evita todas as brigas após o falecimento, que é muito comum, o que acaba levando esses processos ao judiciário”, reitera o advogado. Em qualquer processo que envolva valores acima de R$ 600 mil, os custos do processo chegam a R$ 50 mil. Além disso, há também os custos indiretos com o tempo do processo, em razão de que esse trâmite vai engessar o patrimônio até a partilha em via judiciais.
Já em um tabelionato, os emolumentos são muito inferiores, além de que um processo mais rápido, podendo levar uma semana em alguns casos. “Obviamente, o donatário desses bens tem que autorizar o recebimento, pois esses bens vêm com encargos tributários, como o imposto sobre doação que precisa ser declarado no Imposto de Renda sobre Pessoa Física”, acrescenta José Flávio Bueno, presidente do CNB/RS.
Fonte: Jornal do Comércio